Psicanalista Ana Laura Giongo, sobre "Divertida Mente": de dentro para fora

Divertida Mente, a mais nova animação da Pixar, tem por título original Inside Out. Se fosse assim traduzido, teríamos uma pista mais precisa do que vamos assistir: uma visão de “dentro para fora”, ou “ao avesso”, do que se passa na mente. É uma animação infantil por ser dirigida aos pequenos, mas que, com seu argumento consistente – baseado em conceitos das neurociências e da psicanálise –, também toca profundamente os adultos, que podem se remeter à experiência “infantil” que deu forma a suas vidas.
O filme coloca em cena, de modo colorido e preciso, o trabalho de inscrição das memórias que vêm a constituir nossa estrutura psíquica. No universo retratado, a mente de Riley, uma menina de 11 anos, vai se compondo a partir das experiências vividas e das marcas que as mesmas vão deixando. No comando de sua mente – e na de todos ao seu redor –, estão cinco sentimentos: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Repulsa. Cada experiência pode ser armazenada como “traço de memória” num destes registros. Algumas memórias, mais preciosas, transformam-se em “memórias-base”, definidoras do psiquismo. Outras são diluídas no tempo, assim como algumas “memórias perigosas” vão para um lugar ao qual não se tem acesso: o “subconsciente”.
Na infância de Riley se formam “ilhas de lembranças”, estruturas que sustentam sua personalidade e que, por circunstâncias da vida, na passagem da infância à adolescência, são abaladas e precisam ser reinventadas, reconstruídas.
No filme, a Alegria tenta garantir um destino que exclua as memórias tristes e acaba por produzir uma confusão de sentimentos. A relação entre Alegria e Tristeza retrata a forma como nossa cultura lida com a tristeza: ela tem que ficar “presa”, é inútil e incômoda. Assim, uma das riquezas do filme é dar à tristeza um lugar de valor: um sentimento necessário, que permite refletir e dar sentido à experiência vivida.
Acima de tudo, Divertida Mente captura as crianças por cumprir uma função importante da ficção na infância: dar nome e consistência àquilo que não se consegue colocar em palavras. Assistir a um ataque de birra de “dentro para fora” permite identificar o sentimento que está no fundo desta cena.
O sucesso do filme se mede pelos efeitos nas crianças. Escutei de algumas delas perguntas sobre se os adultos também sentem medo, reflexões sobre que sentimento estaria “no comando” em alguns momentos e, inclusive, a criação de outro “personagem-sentimento”, quando uma menina disse que inventaria a Dúvida para a sua mente. Ao retratar a mente de “dentro para fora”, o filme abre – para crianças e adultos – janelas para dentro.
* Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre
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