Por um dessas particularidades do esforço humano de compreensão, Charcot acabou entrando na história das ideias a reboque de Freud. Compreende-se. Sigmund Freud, pai da psicanálise, acabou se tornando muito mais influente do que este médico francês com o qual foi estudar, ainda muito jovem, em Paris.
No entanto, Charcot tem uma posição inabalável na história da psiquiatria, em particular, no estudo dos distúrbios então chamados de histéricos. Ele as atendia no hospital parisiense La Salpêtrière, onde Freud estagiou no final do século 19. Foi lá, em contato com essas doentes, que os primeiros estalos a respeito do inconsciente e da cura psicanalítica vieram à mente de Freud.
Em Augustine, o papel principal é atribuído a uma histérica, vivida por Stéphanie Sokolinski. Vincent Lindon é Charcot e Chiara Mastroianni interpreta sua esposa, Constance. O ano é 1885 e Augustine, jovem provinciana que trabalha numa casa de família, luta para controlar seus ataques, que surgem sem que haja explicação aparente. É levada para tratamento com Charcot, que, dizem, traz métodos revolucionários para o tratamento desses males misteriosos. Entre outras novidades, faz uso da hipnose para aliviar os sintomas das doentes. Sim, “as” doentes, porque todas as acometidas por esses males de origem desconhecida são mulheres. Hysteron quer dizer útero.
O filme dirigido por Alice Wincour é então a história de uma cura? Nem tanto. Poderia ser melhor descrito como a história de uma tentativa de compreensão daquilo que não se conhece. Isso, por parte de Charcot. E, de uma “doença” misteriosa, causada, provavelmente, pela repressão muito forte da sexualidade.
Pois é isso que Charcot logo descobre, meio sem querer – os sintomas exibidos, a teatralização dessas queixas pelas histéricas encobre um significado sexual próximo do explícito. É o que Charcot vê, mas também não consegue enxergar porque é homem limitado por seu tempo e seu horizonte cultural como parte do corpo médico. De certo modo, o que ele não vê é o que será enxergado por seu discípulo mais famoso e que, exatamente por isso, dará um passo mais largo no conhecimento da mente humana.
Alice Wincour dirige esse drama do sofrimento psíquico com sobriedade. Às vezes até com certo peso, mas é essa atmosfera mesmo que associamos à sociedade burguesa e repressiva da Europa do século 19, época justamente em que a histeria faz sua aparição um tanto de través no mundo médico. Se para a medicina tradicional da época elas eram apenas fingidoras, para uma mente mais aguda, como a de Charcot, eram apenas doentes. E que, com sua doença, poderiam ensinar algo sobre a natureza humana. Inclusive que o desejo pode se manifestar sob a forma de dor e sofrimento, o que apenas em aparência seria uma contradição.